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Andórides são os autores do futuro?

18/10/2011

Pagan Kennedy, jornalista do NY Times, contou no site do jornal que se deparou com um livro na Amazon chamado “Saltine Cracker”. Não fazia sentido “quem pagaria US$54 por um livro inteiramente sobre biscoitos perfurados?”, ele se perguntou. O livro era co-editado por alguém chamado Lambert M. Surhone e, de acordo com a Amazon, Lambert M. Surhone tinha escrito ou editado mais de 100.000 títulos, sobre todos os assuntos, de apicultura ao maior balde de cedro do mundo. Ele estava produzindo livros a uma velocidade que simplesmente não era possível para um ser humano.

Quem era Lambert M. Surhone? Olhando apenas para os números, você poderia dizer que ele é um dos autores mais férteis que já viveu. Mas ele sequer é humano. Existem hoje programas – robôs se você preferir – que podem reunir textos e organizá-los em um livro. Surhone poderia ser um deles.

O que quer que ele fosse, Lambert M. Surhone foi patrocinado por uma companhia alemã, a VDM Publishing. Além de vender livros convencionais, a VDM também produz milhares de brochuras todo ano usando conteúdo disponível gratuitamente na internet. Esses livros, ou produtos tipo livro, permanecem à espera do comprador distraído, alguém que possa pensar “Que bom, eu realmente precisava de um tomo de Lei de Spearman dos rendimentos decrescentes, então eu vou em frente e pagarei US$84″. E com um clique precipitado no botão “Adicionar ao carrinho”, o comprador pode pagar muito dinheiro por um livro que foi simplesmente requentado da Wikipédia.

A VDM Publishing bota um aviso na capa de seus livros avisando “conteúdo de alta qualidade de artigos da Wikipédia!” Ainda assim, nem todo comprador vê a observação. Bibliotecários, por exemplo, relatam que eles devem ser cuidadosos para evitar desperdiçar dinheiro em livros-robô. Leitores reclamam que os livros se espalharam como uma praga nas lojas online.

Mas a invasão de livros-robô é inquietante por outro motivo. Kennedy acha que não tem problema os robôs pegarem trabalhos indesejados – como limpar lixo nuclear. Mas como podemos ter permitido que eles se apropriassem de uma das mais gratificantes ocupações: a de autor?

O que nos leva de volta a Lambert M. Surhone. Poderia ele ser um robô? Lendo as letras miúdas, Kennedy seguiu a trilha dos livros de Surhone até um escritório da VDM na ilha-nação de Mauritius, na costa de Madagascar. Ele ligou. A essa altura, ele já o imaginava como um personagem de ficção e estava tentado a perguntar se ele teria vindo de um planeta habitado por robôs ou algo do tipo. Mas Kennedy nunca teve essa oportunidade. Ninguém atendeu o telefone.

Então, quando menos esperava, Surhone foi até ele. Um dia, um livro intitulado “Pagan Kennedy” surgiu no Barnesandnoble­.com, custando US$50. O editor chefe: Lambert M. Surhone. Kennedy comprou, é claro. Em poucos dias, o livro apareceu na soleira de sua porta. No interior do livro estava o artigo da Wikipédia sobre Pagan Kennedy, e depois uma coleção aleatória de wiki-textos levemente conectados à sua vida. Quase um quarto do livro era devotado à Dartmouth College, onde ele trabalhou há alguns anos. Ele diz que alguns dos textos são tão pequenos que talvez você precisasse de uma lupa para lê-los. O livro era, como advertido, conteúdo da Wikipédia.

Wolfgang Philipp Müller, diretor executivo da VDM, respondeu às insistentes perguntas de Kennedy. “Nossos wiki-livros são produzidos por um grupo de cerca de 40 editores”, contou Müller por e-mail. “Os editores começam no A e vão até o Z. Todo tópico que tenha bastante conteúdo para um livro é nosso alvo.” Ele disse que, no último ano, a companhia vendeu cerca de 3.000 wiki-livros – não muito. Ainda assim, com preços em torno de US$50, é provável que a companhia tenha bastante lucro com cada um.

Müller garantiu que os editores são humanos, mas muitos dos títulos desses livros sugerem a mente de uma máquina por trás do trabalho. É difícil imaginar uma pessoa assinando, por exemplo, um livro chamado “Anel de Armazenamento: Acelerador de Partículas, Feixe de Partículas, Accelerador Físico, Beamline, Síncrotron Australiano, Ciclotron, Imã Dipolo, Eletromagnetismo”. Também havia outros erros robóticos: um dos livros da VDM sobre a banda The Police vinha com uma ilustração de capa de oficiais de polícia reais.

Esses erros deixam a pergunta: Será que robôs poderão algum dia ser confiáveis para escrever romances, histórias, artigos científicos e sonetos originais? Por anos, especialistas em inteligência artificial tem insistido que máquinas podem ser bem-sucedidas como autores. Mas será que nós humanos gostaríamos de ler os livros-robô?

Kennedy consultou o economista e inventor Philip Parker, que vê um futuro brilhante para o computador como autor. Parker acredita que livros produzidos por I.A, produzidos em uma enorme quantidade de línguas, podem ser cruciais para a disseminação da literatura. Pense em fazendeiros em Malawi, que carecem dos mais básicos guias de agricultura em sua língua nativa. Parker falou sobre a necessidade de distribuir livros voltados para pessoas que falam línguas marginalizadas. “Uma coisa que está faltando é o próprio conteúdo - os livros de texto”, disse Parker, e a I.A. pode oferecer uma solução barata.

No final dos anos 90, Parker começou a usar um software de geração automática de texto para produzir tais livros. Mais recentemente, a Fundação Bill and Melinda Gates financiou o uso de I.A. de Parker para produção de relatórios do tempo para rádio em línguas locais.

Mas Chris Csikszentmihalyi, co-fundador do Centro para Mídia Cívica no Massachusetts Institute of Technology, é cético. “Você iria mesmo querer apostar sua vida no texto gerado por um robô? Imagine um livro sobre concertar o motor a diesel do seu trator. Se uma parte da informação está errada, você pode arruinar o motor. Fica ainda mais complicado quando você pensa em livros que dêem orientação médica.”

E, ele acrescentou, qual é o objetivo de usar inteligência artificial para simular o tipo de trabalho que humanos gostam? Se você quer gerar livros em muitas línguas, ele disse, “você pode usar o poder da diáspora de de Malawi ou Moçambique”, o exército de voluntários altamente educados que estão ansiosos por ajudar seus compatriotas. “Isso evita a necessidade da I.A.”

A própria internet oferece prova do enorme desejo humano de produzir texto – para exaltar, editar, eleger, redigir, destacar, opinar e instruir. Nós emitimos bilhões de comentários por dia. A VDM Publishing pode ter criado um nicho de negócios para si mesma, mas a longo prazo, Kennedy suspeita, os robôs vão ter dificuldade até para conseguirem colocar uma palavra na orelha de um livro.

 

 

Fonte: http://zonadigital.pacc.ufrj.br/